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Aos 17 anos, Clóvis Schenkel viu sua casa, em Eldorado do Sul (RS), ser inundada por uma enchente. Ele e a família foram forçados a procurar refúgio em Canoas, também no estado gaúcho. O ano era 1989. Passados 35 anos, Clovis, hoje aos 52 anos e cadeirante, vê, mais uma vez, a vida sendo mudada pela força da água.
“A sensação é de total impotência, ninguém pode com a força da natureza. Quando ela vem querendo tomar o que é dela, não te pergunta se tu quer ou não”, afirma Schenkel, que é aposentado por invalidez.
Clóvis tem distrofia muscular de Becker, doença degenerativa que causa a destruição dos músculos, e desde os 36 anos de idade precisa usar uma cadeira de rodas. Ele é uma das mais de 1,8 mil pessoas com deficiência (PcDs) acolhidas em abrigos no Rio Grande do Sul, de acordo com levantamento feito pelo Censo dos Abrigos Emergenciais no RS.
Para o aposentado, houve falta de aviso sobre os abrigos disponíveis no estado para PcDs.
“Acho que o principal problema foi que muita gente, além de não querer sair de casa, não sabia para onde ir. Não se recebeu nenhum tipo de orientação de abrigos, qual abrigo procurar em casa situação”, denuncia.
A casa em que Clóvis morava havia mais de três décadas fica no bairro Mathias Velho, em Canoas, um dos municípios mais atingidos pelas inundações, e, de acordo com ele, ainda está “com água até o teto”. “Era uma casa bem simples, mas eu tinha toda a adaptação para a minha necessidade. Hoje eu preciso de ajuda para coisas que antes ainda conseguia fazer sozinho”, conta.
Junto dele, no abrigo montado em Canoas pela Associação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef), estão sua mãe, dona Maria Coromberque, de 81 anos, e Pitoco, cachorrinho da família. Rex, outro animal de Clóvis, infelizmente, não resistiu à enchente.
Até o momento, 60% dos abrigos já foram adicionados à pesquisa da Acadef. Hoje, atuante como abrigo, a associação acolhe 100 pessoas, dentre elas, 15 com algum tipo de deficiência.
O espaço, originalmente, é um Centro de Reabilitação para pessoa com deficiência física intelectual e auditiva e está presente em 23 cidades do Rio Grande do Sul. Hoje, metade dos locais está alagada.
“Na situação que vivemos, passamos a abrigar as pessoas na nossa instalação de atendimento. Colocamos colchões no chão das salas, para aqueles que não têm deficiência, e improvisamos macas com tatames altos, para que as pessoas com deficiência e com dificuldades de locomoção, como cadeirantes e idosos, possam ter um conforto maior”, explica Ricardo Cardoso, responsável pela supervisão da comunicação da Acadef.
Além dos funcionários da associação, o espaço funciona com a ajuda de voluntários que são, em sua totalidade, os próprios abrigados.
“Na minha casa a água passou de 1 metro e ainda está submersa. Tudo que tinha lá, infelizmente, a água levou”, lamenta Leandro Alves Fagundes. Ele é um dos acolhidos e voluntários do abrigo, onde está com 10 membros da sua família e seus animais.
“A gente tem que fazer pelo próximo, né? Eu acho que é uma obrigação ajudar as pessoas que estão aqui, igual elas me ajudaram. A gente tem que ajudar as pessoas de igual para igual”, conta Leandro, que nunca havia sido voluntário antes. “Comecei aqui e estou gostando”, diz, animado. Ele ajuda com o banho dos abrigados, com as doações e com a organização do abrigo.
Clóvis Schenkel não esconde a importância dos voluntários no seu novo cotidiano. “Eu tô sendo tratado da melhor maneira possível. Tu vê uma situação em que tanta gente se dispõe a ajudar. Isso levanta esperança no futuro da humanidade”, finaliza.
O abrigo organizado na Acadef de Canoas recebe doações através do Pix CNPJ 87671384/0001.52. Diariamente, a Associação faz chamadas de donativos de alimentos, colchões, cobertores e ração. O valor arrecado também é direcionado para compra de cadeiras de rodas.
Trabalham no resgate de pessoas ilhadas, nos 461 municípios gaúchos afetados por inundações, as Forças Armadas, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Brigada Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e voluntários. Desde o dia 1º de maio o soldado do Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul Vitor Hugo Silva de Oliveira, de 29 anos, é um deles. Atualmente, ele trabalha em Porto Alegre, na região do Humaitá e Navegantes. No estado do Rio Grande do Sul há 1.191 bombeiros dedicados a salvamentos.
Vitor conta que a maior dificuldade durante o resgate de PcDs é ter acesso a elas.
“Muitas estão em andares elevados, com as entradas das casas ou prédios inundados. Geralmente as caixas de escadas são bem apertadas, o que reduz as manobras com as macas. Nós temos que garantir a segurança máxima desse deslocamento”, afirma o soldado do Corpo de Bombeiros.
O bombeiro relembra, ainda, um dos casos de resgate que mais o marcou.
“Uma senhora morava no sexto andar, não tinha mobilidade nenhuma e dependia do uso de cilindro de oxigênio, que só tinha mais uma hora de uso. Tivemos que improvisar uma cadeira com um cobertor e descer ela pelas escadas e colocá-la no barco. O transporte até um local seguro também foi bastante delicado porque era uma região que estava completamente debaixo d’água”, conta Vitor.