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São Paulo — Com o Primeiro Comando da Capital (PCC) focado em expandir seus negócios para o mercado internacional, as facções cariocas Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando Puro (TCP) têm ganhado territórios e ampliado seus poderes em importantes estados do país.
Nos últimos cinco anos, segundo informações das polícias da Bahia e de Minas Gerais, por exemplo, CV e TCP avançaram sobre áreas dominadas por facções regionais, que eram abastecidas pelo PCC.
Para autoridades de segurança pública e pesquisadores ouvidos pelo Metrópoles, o fenômeno, também observado no Nordeste, pode ser explicado pela falta de interesse do PCC nos mercados regionais de drogas.
A facção paulista, que hoje está presente em pelo menos 23 países, fatura cerca de R$ 11 bilhões por ano só com a pasta base de cocaína exportada por meio do Porto de Santos, de acordo com estimativa do Ministério Público de São Paulo. De acordo com a promotoria, o quilo da cocaína comprado a 1,2 mil dólares na Bolívia é vendido a pelo menos 35 mil euros na Europa.
O lucro, muito superior ao obtido nas biqueiras, tem incentivado o PCC a “abandonar” o varejo da droga.
“Hoje o tráfico internacional da pasta base da cocaína representa dois terços dos negócios do PCC. Não temos informações sobre o que acontece em outros estados, mas aqui eles praticamente abandonaram as biqueiras internas”, afirma um promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, ouvido pelo Metrópoles em reservado.
Para o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, o domínio territorial não faz parte do modelo de negócio do PCC e acontece de forma eventual para garantir o funcionamento das rotas de tráfico até os pontos estratégicos para a exportação da droga.
“Essa estratégia de domínio territorial e venda varejista local é muito mais característica do Comando Vermelho. Acho que tinha uma lacuna aí que o Comando Vermelho está preenchendo a partir do momento que ganhou essa dimensão nacional mais presente”, afirma Paes Manso ao Metrópoles.
“O foco do PCC hoje é realmente mercado internacional. O controle que eles exercem é eventualmente sobre rotas do tráfico, dos Andes até a Europa. Não é que eles controlam um território, eles controlam a rede de fornecimento da droga”, acrescenta
Em Minas Gerais, a expansão das facções cariocas é notada com mais intensidade há pelo menos cinco anos, segundo Christian Vianna de Azevedo, subsecretário de Integração da Segurança Pública de Minas Gerais. Antes disso, diz ele, prevalecia a parceria entre PCC e gangues locais em todo o estado.
“O PCC está aqui há mais tempo. Chegou pelo oeste paulista, até por conta da conexão cultural com o triângulo mineiro. Essas gangues aliadas ao PCC atuam em todo o estado, não necessariamente sob o guarda chuva rígido de uma liderança central. De um tempo para cá, as coisas mudaram na região”, afirma Azevedo ao Metrópoles.
“O que para nós tem chamado mais atenção nos últimos anos é o avanço do CV na Zona da Mata, no sudeste do estado. Esse processo começou mais ou menos durante a pandemia. A facção vem subindo ali a partir do Rio de Janeiro. Agora, mais recentemente, também percebemos a presença do TCP, que até então não era visível”, complementa o subsecretário.
Segundo Christian Vianna, o TCP tenta dominar a comunidade Cabana Pai Tomás, em Belo Horizonte, mas, até o momento, é cedo para falar em domínio territorial. “Hoje o estrado entra lá, a polícia entra”.
Na Bahia, o avanço do Comando Vermelho (CV) se dá há mais ou menos três anos, de acordo com o coordenador de projetos da Secretaria da Segurança Pública da Bahia, Tiago Mesquita.
Assim como em Minas Gerais, a atuação do PCC no estado ocorre majoritariamente de forma indireta. O grupo é aliado do Bando do Maluco (BDM), principal facção baiana, fundada em 2015 como ramificação da facção Caveira.
“O PCC atua na Bahia há mais tempo, como aliado do Bando do Maluco, que é uma facção bem estruturada aqui. Mais cada vez mais percebemos a presença de Comando Vermelho e até do Terceiro Comando Puro”, diz Mesquita.
“O estado da Bahia é estratégico para o crime, com rotas estratégicas para todo o Nordeste. São pelo menos seis portos, entre públicos e privados, que naturalmente ficam na mira das facções”, acrescenta”, complementa.
O coronel Uirá Ferreira, subsecretário de Inteligência da Polícia Militar do Rio de Janeiro, afirma que a Bahia vive uma situação análoga à vivida pelos cariocas há duas décadas.
“São facções de origem carioca que estão disputando território por lá. A Bahia se assemelha muito mais ao Rio de Janeiro hoje. Eles estão vivendo uma situação que a gente vivia há 20 anos atrás na questão da disputa territorial”, afirma Uirá Ferreira ao Metrópoles.
“Acho prematuro dizer que o PCC não teria interesse nessas regiões. É uma quadrilha internacional, mas abrir mão desses espaços eu acho difícil”.
De acordo com Uirá Ferreira, as principais facções criminosas do Rio de Janeiro dependem cada vez menos do tráfico de drogas para sobreviver, de acordo com informações do Setor de Inteligência da Polícia Militar do estado.
Os traficantes agora apostam no domínio territorial e em um modelo de extorsão adotado pelas milícias para lucrar nas comunidades.
“Essa exploração da venda de drogas se tornou algo folclórico. Hoje o crime se abastece de outras atividades, se infiltrando em serviços do estado, como a cobrança para distribuição de internet, luz e água”, disse Uirá Ferreira.
A Polícia Militar carioca estima que pelo menos 1.625 áreas estejam sob controle do crime organizado em todo o estado.
Para o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, a adoção do modelo miliciano atende a uma “questão identitária do território”, que é característica do Comando Vermelho.
“A questão das alianças de gangues de outros estados com o PCC é muito mais você criar uma rede de comércio. Você faz parte dessa rede, é profissional, é responsável pelo seu serviço, a venda, a compra. Eles compram do PCC, então fazem parte do PCC. O CV não. Para o CV tem muito a questão do controle territorial armado da quebrada, isso parece que faz mais a cabeça da galera”, diz Paes Manso ao Metrópoles.
“É dizer ‘eu sou o dono da quebrada. Eu não sou simplesmente uma peça na rede’. Isso acontece na Bahia, no Ceará. Tem uma questão identitária do território, de ser dono do território e entrar em guerra com o cara do outro território. Isso parece fazer mais sentido para uma molecada que está no tráfico e tem todo esse deslumbre de a masculinidade do cara, de ser o dono do morro. Isso dá sentido para o negócio, é mais concreto”, acrescenta o pesquisador.